O processo continua. Acrescentei mais uma parte de figura, a qual se integrou no processo de construção/desconstrução que tenho levado a cabo. A tentativa em me aproximar de um processo pictórico que fizesse ecoar aquele que foi utilizado por Duchamp no seu "nu descendo uma escada" parece finalmente começar a fazer algum sentido. Neste caso, como é visível, a acumulação de representações não pretende mostrar uma imagem em que o movimento no espaço é perceptível em várias fases sucessivas e visíveis, mas sim o de actos e situações que as imagens utilizadas acabam por demonstrar.
A condição de uma imagem feita de imagens serve por um lado para poder evidenciar um conjunto de constatações a que as imagens de carácter sexual se submetem, como o é por exemplo a incompletude propositada do corpo, muitas vezes sem pés nem mãos enquadrados no plano da imagem, assim como a predominância contemplativa do corpo feminino, o qual é contemplado segundo categorias em que cada tipo de mulher é inserida, servindo assim determinados objectos de perversão. Por outro tenta acomodar um sentido plástico e formal que a pintura de forma explicita expõe, ou seja, o corpo, a matéria na pintura. Refiro-me ao corpo num duplo sentido (o qual Hans Belting tão claramente introduz na sua noção de iconologia. Belting, Hans. Image, Medium, Body: A new approach to Iconology, Critical Inquiry, Vol. 31, No. 2 (Winter 2005), pp.302-319. The University of Chicago Press.) O corpo como objecto de representação, que invoca a presença de uma ausência em algo que se materializa na tela como imagem do corpo feminino, desfragmentada e multiplicada em vários, não estabelecendo um modelo fixo e oscilando entre vários corpos múltiplos (braços, pernas, olhos, vaginas, umbigos e mamilos, que ora estão explícitos e concretos, ora estão subentendidos e sobrepostos) rasgados pela incompletude e incoerência da noção que temos de o que é um corpo e do lugar que as várias partes ocupam. Este corpo subentende um médium, um esquema tecnológico de representação. A imagem digital, proliferada pela internet condiciona e define a representação pictórica. o pixel, a partilha de código e o fluxo, ou a falta deste, que gera o erro, a sobreposição de dados, produzindo aspectos visuais inesperados em imagens que se pretendem o mais explicitas e inequívocas possível. O corpo é também entendido no seu papel de médium, ou seja de superfície que absorve e contempla a imagem e sem o qual ela não tem propósito, pois as imagens do sexo, e em especial as da pornografia, supõem no seu propósito mais básico o de serem contempladas por alguém que está do outro lado. Desta forma o observador, o voyeur, que Lacan identifica, permite este processo dialéctico, e pretende partilhar esta fisicalidade que a pintura pretende supor, pois é enquadrada numa tela do tamanho de uma porta, porta essa que nos dá acesso ao outro lado, onde uma imagem antropomórfica que tenta de alguma maneira, sustentar as proporções e escala que o corpo como nós o entendemos. Eva é pois um quadro que como a fábula cristã conta, supõem o processo de criação, no qual Deus usou da sua vontade, criando a primeira mulher a partir de uma costela de Adão o primeiro homem. Esta relação simbólica pretende supor uma noção de corpo em segunda instância, não menos verdadeiro que o do homem, mas diferente, quer pela diferença anatómica como pela ideia de universalidade que a primeira mulher supõe. As imagens incorporam esta analogia. O corpo de carne e osso não é mais verdadeiro ou real que a imagem fotográfica difundida na internet, nem esta é mais imagem que a pintura que apresenta diversos aspectos das anteriores. Não há origem, mas sim suportes e condições que abarcam sentidos.
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AuthorManuel Mendes develops paintings and drawings that reflect about the world of images, their apearence in the visual scenery and their consequent downfall. Is work also focus on visual representations and their implication on art scenery. Archives
June 2013
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